Historicamente, a maioria das terras rurais era habitualmente de propriedade de e governada por Povos Indígenas e comunidades locais. Embora o valor dessas terras e recursos tenha sido reconhecido pelos estados e já exista a sua reivindicação jurídica, até 2,5 bilhões de pessoas ainda vivem de acordo com sistemas comunitários. Elas administram diretamente mais de 50% das terras de todo o mundo, incluindo muitas das florestas e pontos críticos de biodiversidade restantes do mundo, que permaneceram intactos sob sua administração sustentável. As mulheres dessas comunidades desempenham um importante papel na alimentação de suas famílias e na proteção dos recursos dos quais toda a humanidade depende. A garantia de seus direitos é vital para alcançar o desenvolvimento sustentável global e as metas climáticas.
Porém, apesar dos papéis fundamentais das mulheres como administradoras florestais e domésticas, provedoras de alimentos e líderes de empreendimento rurais, os direitos à terra das mulheres Indígenas e de comunidades locais permanecem bloqueados por leis e práticas injustas. Apesar do fato de que essas mulheres estejam assumindo uma liderança maior devido à emigração dos homens das comunidades e às crescentes ameaças externas às terras da comunidade, é comum elas serem bloqueadas nos processos decisórios em todos os níveis que as afetam.
Nenhum dos 30 países de baixa e de média renda avaliados no estudo global Poder e Potencial da RRI em 2017 respeita adequadamente os direitos das mulheres Indígenas e de comunidades locais à terra e à floresta. Há uma necessidade especialmente urgente de reformas jurídicas em relação aos direitos de governança (votação e liderança) e de herança das mulheres. As conclusões também mostram que as leis que protegem os direitos das mulheres às florestas comunitárias têm maior probabilidade de salvaguardar os direitos de propriedade florestal de comunidades inteiras, mostrando que o avanço jurídico das mulheres e de suas comunidades andam lado a lado.
Embora muitas mulheres tenham feito progressos positivos sem ter garantia de seus direitos jurídicos à terra, é essencial garantir direitos de posse estáveis às mulheres de comunidades locais para sua subsistência e autodeterminação, para o bem-estar de suas comunidades e maior estabilidade diante das mudanças climáticas e da escassez de alimentos. Isso significa que garantir os direitos das mulheres às terras da comunidade oferece um caminho promissor no sentido da paz, prosperidade e sustentabilidade nas terras florestais e rurais do mundo.
Governos não respeitam os direitos de posse das mulheres Indígenas e de comunidades locais e não cumprem as obrigações internacionais de fazê-lo nos 30 países de baixa e média renda avaliados. [Fonte: RRI 2017 (Poder e Potencial)]
O estudo Poder e Potencial analisou 80 estruturas jurídicas que regulam a posse de florestas comunitárias em 30 países de baixa e de média renda que cobrem mais de três quartos das florestas dos países em desenvolvimento. O estudo constatou que nenhum país proporciona às mulheres Indígenas e de comunidades locais o reconhecimento adequado dos direitos à terra e à floresta.
Foram examinados os direitos gerais — que afetam todas as mulheres de um país — à igualdade de proteção constitucional, de propriedade e de herança. Também foram examinados os direitos de posse em nível comunitário de associação comunitária, como herança, votação, liderança e resolução de disputas.
Todos os países analisados ratificaram a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) das Nações Unidas e, ainda assim, nenhum deles atende aos padrões mínimos estabelecidos no tratado.
Das 80 estruturas jurídicas que regulam as florestas comunitárias:
apenas 3% protegem adequadamente os direitos de voto das mulheres em nível comunitário; apenas 5% protegem adequadamente os direitos das mulheres de liderar comunidades; apenas 10% protegem adequadamente os direitos de herança das mulheres em nível comunitário; apenas 16% protegem adequadamente o direito das mulheres à resolução de disputas em nível comunitário; e apenas 29% protegem adequadamente o direito de associação das mulheres na comunidade
Resultados para os três direitos gerais que afetam todas as mulheres em um país, obtidos dos 30 países de baixa e média renda avaliados:
Igualdade de proteção constitucional: 93% dos países examinados proíbem a discriminação baseada em gênero ou garantem explicitamente igualdade de proteção às mulheres de acordo com a constituição. Apenas a Indonésia e a Tailândia não atendem esse quesito.
Direitos à propriedade: 57% dos países analisados afirmam especificamente os direitos das mulheres à propriedade.
Herança: Apenas oito dos 30 países avaliados determinam que filhas, viúvas e mulheres não casadas em uniões consensuais têm os mesmos direitos de herança que seus equivalentes masculinos.
Apenas oito dos 30 países possuem leis de herança intestada que preveem igualdade de proteção.
Mais de um terço dos países avaliados (Índia, Indonésia, Quênia, Mali, Mianmar, Panamá, Papua Nova Guiné, Filipinas, Senegal, Tanzânia e Zâmbia) tem leis que discriminam legalmente filhas, viúvas e/ou mulheres em uniões consensuais ou que aderem à lei religiosa ou consuetudinária sem salvaguardar os direitos de herança das mulheres.
O progresso jurídico das mulheres e de suas comunidades andam de mãos dadas. [Fonte: RRI 2017 (Poder e Potencial)]
As leis que reconhecem a propriedade florestal comunitária oferecem as proteções legais mais robustas para os direitos florestais das mulheres Indígenas e de comunidades locais, sugerindo que leis focadas na comunidade podem servir como ferramentas poderosas para promover os direitos das mulheres.
Estruturas jurídicas conservadoras que regulam terras comunitárias oferecem proteção menor e mais fraca aos direitos de posse das mulheres. [Fonte: RRI 2017 (Poder e Potencial)]
O reconhecimento legal proporcionado às mulheres por estruturas jurídicas conservadoras é ainda mais fraco do que os conjuntos de leis voltadas para a exploração de recursos naturais. Estruturas jurídicas que preveem a posse de florestas pelas comunidades, e estruturas criadas com o objetivo expresso de reconhecer direitos comunitários oferecem as mais robustas proteções aos direitos das mulheres.
Há uma necessidade especialmente urgente de reformas jurídicas relacionadas aos direitos de governança (votação e liderança) e de herança das mulheres em nível comunitário. [Fonte: RRI 2017 (Poder e Potencial)]
Governança: Os direitos das mulheres de participar da governança em nível comunitário por meio de votação e liderança — sem dúvida os direitos jurídicos mais necessários para afirmar suas vozes nos processos decisórios que as afetam — são os direitos de posse comunitária menos protegidos.
Apenas 3% dos regimes jurídicos especificamente comunitários protegem adequadamente os direitos de voto das mulheres; e apenas 5% dos regimes jurídicos especificamente comunitários protegem adequadamente os direitos de liderança das mulheres.
Herança: O direito do indivíduo de herdar terras e recursos da comunidade é o direito menos reconhecido avaliado em nível da comunidade. 58 (73%) dos 80 regimes jurídicos especificamente comunitários analisados não tratam da herança em nível comunitário em nenhum aspecto.
O estudo das leis analisadas no estudo Poder e Potencial resultou em uma nova orientação sobre os principais atributos das constituições, leis e regulamentos nacionais que têm papéis fundamentais na proteção dos direitos de mulheres Indígenas e rurais à florestas comunitárias. [Fonte: RRI 2018 (Legislative Best Practices for Securing Women’s Rights to Community Lands]
As reformas legislativas devem ser abrangentes e refletir as normas e leis consuetudinárias existentes.
O estudo do trabalho de 18 organizações em 10 países de baixa e média renda na África, Ásia e América Latina extraiu 10 fatores contribuintes subjacentes a iniciativas bem-sucedidas que fortaleceram os direitos de governança das mulheres em relação à terras comunitárias. [Fonte: RRI 2019 (Strengthening Indigenous and Rural Women’s Rights to Govern Community Lands)]
FATORES 1 a 4: Manutenção de um foco comunitário
1. Abordar o empoderamento das mulheres por meio de processos inclusivos e colaborativos que envolvam comunidades inteiras.
2. Envolver líderes comunitários.
3. Atividades implementadas por membros não pertencentes à comunidade são culturalmente apropriadas e desenvolvidas junto às comunidades, a fim de priorizar seus recursos.
4. Reconhecer que mudanças sociais levam tempo.
FATORES 5 a 7: Usar informações e aprendizagem para capacitar ainda mais as mulheres e suas comunidades
5. Tornar visível as valiosas contribuições que as mulheres já fazem para suas comunidades.
6. Demonstrar para a comunidade as vantagens de garantir os direitos de governança das mulheres.
7. Usar informações para capacitar mulheres como líderes da comunidade e tomadoras de decisões.
FATORES 8 a 10: Estabelecer redes e alianças estratégicas em todos os níveis
8. Estabelecer espaços, atividades, redes ou instituições para reuniões exclusivamente para mulheres.
9. Criar redes multiníveis autossustentáveis de mulheres líderes.
10. Construir e alavancar relacionamentos estratégicos com uma ampla variedade de partes interessadas fora das comunidades.
Não há vencedores claros na comparação entre Ásia, África e América Latina. [Source: RRI 2017 (Power and Potential)]
Os países analisados na África (11 países) afirmam de forma mais consistente os direitos de propriedade das mulheres e o maior reconhecimento dos direitos de resolução de disputas em nível comunitário às mulheres, mas também oferecem às mulheres Indígenas e de comunidades locais os mais fracos direitos de herança e votação em nível comunitário.
Das três regiões, os regimes jurídicos nos 10 países asiáticos oferecem o nível mais alto de proteção aos direitos de herança, votação e liderança em nível comunitário às mulheres.
Nenhum dos países asiáticos ou africanos do estudo reconhece os direitos gerais de mulheres não casadas em uniões consensuais de herdar terras por sucessão intestada (direitos de herança na ausência de testamento) e entre 45-50% dos países avaliados em ambas as regiões não protegem equitativamente os direitos de herança das mulheres.
Os nove países da América Latina preveem as mais fortes proteções aos direitos gerais de herança das mulheres e um maior reconhecimento dos direitos de associação das mulheres em nível comunitário, mas ficam atrás dos países da África e da Ásia no que diz respeito aos direitos de liderança das mulheres na comunidade e na afirmação dos direitos de propriedade das mulheres em leis gerais.
Oito dos nove países latino-americanos avaliados preveem igualdade de proteção jurídica aos direitos gerais de herança de filhas, viúvas e mulheres em uniões consensuais; esses são os únicos países entre os 30 países de baixa e média renda (LMICs) analisados que protegem os direitos de herança das mulheres em uniões consensuais.
[Source for all: RRI 2017 (Power and Potential)]
O Brasil é um dos oito países estudados que reconhece direitos de herança para mulheres em uniões consensuais em nível nacional.
As oito estruturas jurídicas no Brasil são amplamente omissas em abordar a governança em nível comunitário: apenas uma aborda a liderança em nível comunitário (embora seja omissa em estabelecer uma cota ou quorum para a participação das mulheres).
As terras da comunidade afro-colombiana na Colômbia são uma das duas únicas CBTRs que exigem um quorum de mulheres com relação ao voto, e uma das únicas quatro que o fazem com relação à liderança.
A lei colombiana (abrangente) garante especificamente os direitos das mulheres nos processos de titulação e alocação de terras e dá tratamento preferencial às mulheres vulneráveis e às mulheres chefes de família.
A alocação cega de gênero dos direitos de associação em nível familiar nas CBTRs em terras de reservas Indígenas e de comunidades afro-colombianas pode ser problemática, pois pode ser implementada de forma discriminatória.
O Peru é um dos apenas oito países estudados que reconhece direitos de herança para mulheres em uniões consensuais em nível nacional.
No Peru, embora viúvas, filhas e mulheres em uniões consensuais tenham o direito de herdar em conformidade com as leis nacionais referentes a todas as mulheres, esse direito não é protegido nas leis e regulamentos comunitários.
No Peru, apesar da governança comunitária e da resolução de disputas serem abordadas nas leis que regulam três das quatro estruturas jurídicas específicas da comunidade, o direito das mulheres de votar, participar de órgãos de liderança e de acessar mecanismos de resolução de disputas não é garantido.
A lei nacional afirma direitos iguais à propriedade para homens e mulheres (art. 9 da Lei nº 15/013 de 2015).
Das leis examinadas neste estudo, as que estabelecem terras comunitárias registradas no Quênia contêm algumas das proteções mais detalhadas dos direitos de associação das mulheres, pois consideram explicitamente situações de divórcio, viuvez e novo casamento.
Embora a Lei dos Direitos Florestais da Índia reconheça a hereditariedade das terras de tribos registradas e de outros moradores tradicionais da floresta, os direitos específicos das mulheres à herança em nível comunitário e à resolução de disputas não são explicitamente reconhecidos.
A Índia não possui leis que reconheçam os direitos de herança das mulheres em uniões consensuais; na Índia, heranças podem ser reguladas por leis civis, religiosas ou pessoais, algumas das quais são omissas em explicitamente garantir direitos iguais de herança para esposas e filhas.
Devido às disposições da Lei dos Direitos Florestais (FRA), as terras de tribos registradas e de outros moradores tradicionais da floresta na Índia constituem uma das duas únicas estruturas jurídicas identificadas no relatório (de um total de 80) no qual os direitos de voto e de liderança em nível comunitário das mulheres são garantidos através de um requisito de quorum. (NOTA: As fortes disposições de governança em nível comunitário da Lei são moderadas pelo fato de que a Lei dos Direitos Florestais foi mal implementada).
A Constituição da Indonésia é uma de duas constituições avaliadas que explicitamente não protegem mulheres contra a discriminação de gênero e/ou expressamente garante às mulheres a mesma proteção nos termos da lei.
O Código Civil da Indonésia não reconhece uniões consensuais de Povos Indígenas e de comunidades locais como legalmente válidas. A Indonésia também considerou criminalizar uniões consensuais.
Nenhuma das seis estruturas jurídicas identificadas na Indonésia protege adequadamente os direitos das mulheres à herança, associação, governança ou resolução de disputas em nível comunitário.
Cinco das seis estruturas jurídicas analisadas não tratam dos processos decisórios em nível comunitário em nenhum aspecto.