Os Povos Indígenas e as comunidades locais administram muitas das grandes florestas e pontos críticos de biodiversidade do mundo — terras que são os principais alvos de projetos de grande escala ambientalmente destrutivos de agricultura, mineração, exploração madeireira e outros. E quando as comunidades se levantam para defender suas casas e proteger o planeta, em geral são atacadas. Esses ataques podem incluir violência, assassinatos e ameaças — além de perseguição por meios judiciais e outras táticas para criminalizar os defensores da terra ou manchar suas reputações. Na raiz dessa violência judicial e física estão os direitos precários à terra e o racismo arraigado contra os Povos Indígenas e as comunidades rurais.
A relatora especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, ela própria falsamente acusada de ser “terrorista” pelo governo das Filipinas em retaliação por se manifestar em nome de comunidades Indígenas deslocadas de suas terras, chamou esse ataque aos direitos humanos de “crise global”. Essa violência geralmente segue os mesmos padrões, começando com campanhas de difamação e discurso de ódio para pintar as comunidades como "obstáculos ao desenvolvimento" ou mesmo como terroristas e criminosas. A isso, em geral, seguem-se mandados de prisão baseados em acusações espúrias, geralmente visando líderes indígenas, já que os governos e empresas utilizam os sistemas de justiça para legitimar acusações falsas. Quando a violência física se segue, os autores geralmente continuam impunes.
A expansão de projetos de desenvolvimento para as terras dos Povos Indígenas e das comunidades locais sem o consentimento de seus habitantes está ocasionando uma crise global de violência e criminalização contra os defensores ambientais. A documentação de centenas de assassinatos e casos de “criminalização” revela um ataque sistemático às comunidades.
Em 2018, pelo menos 321 pessoas em 27 países foram mortas em represália por seu trabalho pelos direitos humanos. Desses, mais de três quartos (77%) estavam defendendo os direitos à terra, ao meio ambiente e dos Povos Indígenas. [Fonte: Front Line Defenders 2019]
Pelo menos 49% dessas pessoas assassinadas em 2018 já tinham sido direta e especificamente ameaçadas e, em outros 43% dos casos de assassinato, houve ameaças gerais aos defensores na área. [Fonte: Front Line Defenders 2018]
Por outro cálculo, 164 defensores de terra e do meio ambiente foram mortos em 2018, com metade desses assassinatos ocorrendo na América Latina. O setor de mineração extrativista foi o mais mortal, com 43 defensores sendo mortos por protestarem contra os efeitos nocivos da extração mineral. [Fonte: Global Witness 2019 (Enemies of the State)]
Cada vez mais a criminalização e ações civis agressivas estão sendo usadas para reduzir o ativismo ambiental e a defesa da terra em todo o mundo, inclusive em países ditos “desenvolvidos”, como os EUA. [Fonte: Global Witness 2019 (Enemies of the State)]
Apesar de seu papel fundamental na proteção das florestas, os Povos Indígenas e as comunidades locais também são perseguidos, criminalizados, despejados e assassinados em nome da conservação. Eles perdem seus lares e meios de subsistência quando seus territórios tradicionais são rotulados de “áreas protegidas” sem o seu consentimento livre, prévio e informado.
As terras dos Povos Indígenas cruzam com cerca de 40% de todas as áreas protegidas e com mais de 65% das terras mais remotas e menos habitadas do planeta. [Fonte: (Garnett, Stephen T. et. al (Nature Sustainability)]
Abordagens chamadas “conservação de fortaleza” (fortress conservation) — baseadas em um conceito histórico de áreas protegidas como terras primitivas e intocadas — estão perpetuando um sistema de abuso e violações dos direitos humanos contra os Povos Indígenas e as comunidades locais que tradicionalmente habitam e protegem essas terras.[Fonte: Tauli-Corpuz, Victoria, Janis Alcorn, and Augusta Molnar 2018 (Cornered by Protected Areas)]
A ideia de que a conservação requer que a terra seja esvaziada de seus habitantes originais erra por não reconhecer que os Povos Indígenas e as comunidades locais são os guardiões mais competentes e eficientes da floresta. Suas terras armazenam pelo menos 22% (218 gigatoneladas) do total do carbono encontrado em florestas tropicais e subtropicais (incluindo fontes acima e abaixo do solo). [Fonte: RRI 2017 (Global carbon baseline)]
Os resultados de conservação alcançados pelas comunidades Indígenas e locais são no mínimo iguais, por menos de um quarto do orçamento usado para as áreas protegidas.[Fonte: Tauli-Corpuz, Victoria, Janis Alcorn, and Augusta Molnar 2018 (Cornered by Protected Areas)]
A criminalização contra os defensores dos direitos à terra geralmente segue um padrão semelhante:
Campanhas de difamação: Alimentadas por discursos de ódio baseados em racismo e discriminação, táticas caluniosas e campanhas de difamação nas mídias sociais, retratam os Povos Indígenas como membros de gangues criminosas, guerrilheiros, terroristas e ameaças contra a segurança nacional.
Acusações criminais: Líderes Indígenas e suas comunidades são muitas vezes indiciados com acusações vagas como "perturbação da ordem pública", "usurpação", "invasão", "conspiração", "coerção" e "instigação ao crime". Termos como "estado de emergência" são usados para suspender garantias judiciais e reprimir protestos pacíficos.
Mandados de detenção: Os mandados são emitidos repetidamente, apesar de escassas evidências e de testemunho não corroborado. Às vezes, as acusações não dão nome às pessoas, deixando toda uma comunidade acusada de ato criminoso. Muitas vezes, os mandados são deixados pendentes, não executados, fazendo com que a pessoa Indígena afetada seja perpetuamente ameaçada de prisão.
Atalhos ilegais: Processos contra pessoas Indígenas geralmente incluem detenção preventiva que pode perdurar vários anos, pois as garantias processuais são frequentemente desrespeitadas. Os Povos Indígenas raramente dispõem dos meios para procurar aconselhamento jurídico ou mesmo um intérprete. Se absolvidos, os Indígenas raramente recebem reparações.
Criminalização em massa: As organizações Indígenas são submetidas a monitoramento e confiscos ilegais, enquanto leis que impõem obrigatoriedade de registro e controles de financiamento enfraquecem sua mobilização e restringem seu apoio. Organizações da sociedade civil e advogados que ajudam comunidades Indígenas foram fisicamente atacados e até mortos.
A América Latina sempre foi a região mais perigosa e mortal para os defensores da terra e do meio ambiente desde 2012, quando a Global Witness começou a publicar dados sobre assassinatos, e mais da metade do total de assassinatos registrados em todo o mundo em 2018 ocorreu nesta região. [Fonte: Global Witness 2019 (Enemies of the State)]
Dos 19 defensores de terra e ambientalistas relatados mortos em 2017, 17 estavam "defendendo áreas protegidas contra caçadores ilegais e mineradores ilegais". [Fonte: Global Witness 2019 (Enemies of the State)]
As Filipinas tiveram o maior número de assassinatos em 2018; 30 pessoas foram mortas e “15 desses assassinatos estavam ligados a agronegócios”. [Fonte: Global Witness 2019 (Enemies of the State)]
A Colômbia está entre os três piores países para defensores ambientais, todos os anos. Foi o segundo pior em 2018, com pelo menos 24 defensores ambientais e da terra assassinados. [Fonte: Global Witness 2019 (Enemies of the State)]
Em 2018, pelo menos 123 líderes na luta pelos direitos humanos ou membros de comunidades marginalizadas foram mortos na Colômbia. A maioria desses assassinatos “visou ativistas de direitos afro-colombianos e Indígenas, além de agricultores e proprietários rurais.” [Fonte: Washington Office on Latin America 2019]
O Brasil foi o quarto país mais perigoso para defensores da terra e do meio ambiente em 2018, com 20 assassinatos relatados. Pela primeira vez, o Brasil caiu do primeiro lugar no ranking da Global Witness. Isso está em conformidade com uma queda geral nas taxas de homicídios em 2018. [Fonte: Global Witness 2019 (Enemies of the State)]
A violência contra Povos Indígenas, comunidades locais e comunidades quilombolas (afro-brasileiras) persistiu com pouca impunidade para os responsáveis. Em 2016, foram notificados 196 casos de violência contra comunidades rurais no estado do Maranhão, que também foi o estado com o maior número assassinatos de membros dos Povos Indígenas. [Fonte: They Should Have Known Better 2018)]
Na República Democrática do Congo (RDC), foi relatado que oito defensores da terra e do meio ambiente foram mortos em 2018, de um total de 14 assassinatos registrados na África (esse baixo número pode ser devido à falta de evidências da região). [Fonte: Global Witness 2019 (Enemies of the State)]
Dois ambientalistas e defensores da terra foram mortos no Quênia em 2018. Um deles era membro da comunidade Indígena de Sengwer e foi morto pelos guardas do Serviço Florestal de Embobut, durante um despejo forçado. [Fonte: Global Witness 2019 (Enemies of the State)]
Em 2018, 13 pessoas foram mortas no maior massacre documentado naquele ano pela Global Witness, relacionado a um protesto de uma mina de cobre em Tamil Nadu. [Fonte: Global Witness 2019 (Enemies of the State)]
Um relatório da BBC de 2017 descobriu que as autoridades do Parque Nacional Kaziranga da Índia foram responsáveis por 106 assassinatos extrajudiciais — incluindo idosos e crianças — ao longo de 20 anos. [Fonte: Cornered by Protected Areas 2018]
Na Índia, cerca de 2 milhões de famílias, ou aproximadamente 10 milhões de pessoas em comunidades Indígenas e tribais, enfrentam atualmente ameaça de despejo de suas florestas tradicionais, após uma ordem contenciosa da Suprema Corte, atualmente suspensa até julho de 2019. [Fonte: Arun Agrawal 2019]
Na Indonésia, pelo menos 262 membros de comunidades Indígenas em 13 províncias foram vítimas de criminalização e violência nos últimos anos. [Fonte: AMAN 2018]
Em 2016, a AMAN, a maior organização de Povos Indígenas da Indonésia, relatou que 271 líderes e ativistas Indígenas do país tinham condenações criminais, incluindo nove que ainda estavam na prisão. [Fonte: AMAN 2016]